Amadeo de Souza-Cardoso, A casita clara paysagem, c. 1915-1916 (obra exposta em 1916)
Óleo s. tela 30,5 x 40,5 cm
Museu Calouste Gulbenkian – Coleção Moderna
© José Manuel Costa Alves | Museu Calouste Gulbenkian – Colecção Moderna
Óleo s. tela 30,5 x 40,5 cm
Museu Calouste Gulbenkian – Coleção Moderna
© José Manuel Costa Alves | Museu Calouste Gulbenkian – Colecção Moderna
Amadeo de Souza-Cardoso e a exposição de 1916
Amadeo de Souza-Cardoso é um pintor incontornável da arte portuguesa do século XX. Na sua curta vida, trabalhou intensamente entre Manhufe, a sua terra natal perto de Amarante, e Paris, tendo alcançado reconhecimento em círculos artísticos parisienses, nos Estados Unidos, em Berlim e em Londres, cidades onde participou em importantes exposições colectivas.
Quando se apresentou no Porto (no Jardim Passos Manuel) e em Lisboa (na Liga Naval Portuguesa), em plena I Guerra Mundial, Amadeo estava sediado em Manhufe. Não só expôs a sua obra, como tratou de todas as questões logísticas necessárias e da promoção do seu trabalho, concebendo um catálogo, um livro de fotografias de obras seleccionadas (12 Reproductions) e interagindo com a imprensa. Na correspondência, contrastou o público do Jardim Passos Manuel com o da Liga Naval Portuguesa, pronunciou-se sobre a recepção e revelou consciência da importância da sua exposição para a história da arte portuguesa.
A organização desta exposição individual reforça a sua vontade de autonomia face a movimentos de pintura vanguardista do início do século XX. É certo que o cubismo, o futurismo e o abstraccionismo muito contribuíram para a sua formação, em Paris, e para a sua pintura. Amadeo dialoga, por vezes, de forma explícita e subversiva com estes movimentos, mas expressa muitas reservas em comprometer-se com manifestações de arte colectivas ("ismos" ou escolas). Data precisamente da exposição de 1916 a resposta a João Moreira de Almeida, do jornal O Dia, que se tornou célebre: "Sou impressionista, cubista, futurista, abstraccionista? De tudo um pouco. Mas nada disso forma uma escola." Curiosamente, o título da exposição de 1916 no Porto era "Abstraccionismo" e o pintor entusiasmava-se nesta fase com manifestos futuristas ao ponto de os divulgar na exposição e de os citar na entrevista ao jornal O Dia. Serão episódios contraditórios de idenfiticação com um movimento artístico, ou gestos provocatórios? É uma pergunta que fica suspensa.
Há cem anos, Amadeo mostrou 114 obras no Porto, 113 em Lisboa. O catálogo da exposição listava títulos, estruturava-se em técnicas (óleo, cera, aguarela, desenho) e abarcava obras muito versáteis. A diversidade das obras na sequência do catálogo dificulta tentativas de síntese. Apesar disso, nota-se uma tendência em muitas obras da exposição para a representação da figura humana. Amadeo explora o retrato de homens de movimentos mecanizados, contrapõe rostos sombrios de homens loucos a máscaras garridas e humaniza instrumentos musicais introduzindo sugestões de olhos nos tampos de violinos ou de guitarras. Ao longo da exposição, apercebemo-nos também do seu interesse por motivos populares, pela inserção da casa na paisagem e por naturezas-mortas, muito fragmentadas, em diálogo com o cubismo. O uso de longos títulos em português e francês com sinais gráficos foi um dos aspectos que mais chocou os visitantes de 1916. O que podem provocar estas obras em 2016?
Quando se apresentou no Porto (no Jardim Passos Manuel) e em Lisboa (na Liga Naval Portuguesa), em plena I Guerra Mundial, Amadeo estava sediado em Manhufe. Não só expôs a sua obra, como tratou de todas as questões logísticas necessárias e da promoção do seu trabalho, concebendo um catálogo, um livro de fotografias de obras seleccionadas (12 Reproductions) e interagindo com a imprensa. Na correspondência, contrastou o público do Jardim Passos Manuel com o da Liga Naval Portuguesa, pronunciou-se sobre a recepção e revelou consciência da importância da sua exposição para a história da arte portuguesa.
A organização desta exposição individual reforça a sua vontade de autonomia face a movimentos de pintura vanguardista do início do século XX. É certo que o cubismo, o futurismo e o abstraccionismo muito contribuíram para a sua formação, em Paris, e para a sua pintura. Amadeo dialoga, por vezes, de forma explícita e subversiva com estes movimentos, mas expressa muitas reservas em comprometer-se com manifestações de arte colectivas ("ismos" ou escolas). Data precisamente da exposição de 1916 a resposta a João Moreira de Almeida, do jornal O Dia, que se tornou célebre: "Sou impressionista, cubista, futurista, abstraccionista? De tudo um pouco. Mas nada disso forma uma escola." Curiosamente, o título da exposição de 1916 no Porto era "Abstraccionismo" e o pintor entusiasmava-se nesta fase com manifestos futuristas ao ponto de os divulgar na exposição e de os citar na entrevista ao jornal O Dia. Serão episódios contraditórios de idenfiticação com um movimento artístico, ou gestos provocatórios? É uma pergunta que fica suspensa.
Há cem anos, Amadeo mostrou 114 obras no Porto, 113 em Lisboa. O catálogo da exposição listava títulos, estruturava-se em técnicas (óleo, cera, aguarela, desenho) e abarcava obras muito versáteis. A diversidade das obras na sequência do catálogo dificulta tentativas de síntese. Apesar disso, nota-se uma tendência em muitas obras da exposição para a representação da figura humana. Amadeo explora o retrato de homens de movimentos mecanizados, contrapõe rostos sombrios de homens loucos a máscaras garridas e humaniza instrumentos musicais introduzindo sugestões de olhos nos tampos de violinos ou de guitarras. Ao longo da exposição, apercebemo-nos também do seu interesse por motivos populares, pela inserção da casa na paisagem e por naturezas-mortas, muito fragmentadas, em diálogo com o cubismo. O uso de longos títulos em português e francês com sinais gráficos foi um dos aspectos que mais chocou os visitantes de 1916. O que podem provocar estas obras em 2016?
Biografia
Amadeu Ferreira de Souza-Cardoso nasceu numa família numerosa e abastada a 14 de Novembro de 1887, em Manhufe, localidade próxima de Amarante.
Desiludido com a Academia de Belas-Artes de Lisboa, Amadeo de Souza-Cardoso partiu para Paris no seu 19º aniversário, tencionando estudar arquitectura. Nessa fase, entusiasmava-se com a caricatura, género que vinha praticando desde muito cedo e fora particularmente estimulado pelo seu encontro com o médico e escritor Manuel Laranjeira, em Espinho, onde a família Sousa Cardoso veraneava. Em Paris, Amadeo conviveu inicialmente com um grupo de artistas portugueses composto por Eduardo Viana, Emmérico Nunes, Francis Smith, Manuel Bentes, Manuel Jardim, entre outros. Ao contrário de grande parte dos artistas portugueses, nunca foi bolseiro; conseguiu, graças à mãe e ao tio Francisco Cardoso, convencer o pai a dedicar-se à pintura e a apoiá-lo financeiramente. Em 1909, começou a frequentar as aulas do pintor catalão Anglada Camarasa, na Academia Vitti, e tornou-se amigo íntimo de Amedeo Modigliani, com quem viria a fazer uma exposição, em 1911. Amadeo conseguiu rapidamente apresentar-se nos salões parisienses (XXVII e XXVIII Salon des Indépendants e X Salon d’Automne), em 1911 e 1912, e no Armory Show de 1913, célebre por ter introduzido a arte modernista europeia ao público americano. Ainda em 1913, o pintor participou em exposições em Berlim (Galerie der Sturm) e em Hamburgo. No ano seguinte, expôs em Milwaukee, nos Estados Unidos, e enviou três quadros para o Salão de Londres de 1914, comissariado pela Allied Artists Association. No âmbito dessa exposição, Henri Gaudier-Brzeska, escultor vorticista, favoreceu-o na comparação com Kandinsky. A eclosão da I Guerra Mundial levou-o a fixar-se em Portugal, em Manhufe, e a casar-se com a companheira de longa data - Lucie Pecetto. Durante a sua estada em Portugal em tempos de guerra, Amadeo reforçou os contactos com Robert e Sonia Delaunay, instalados em Vila do Conde em 1915 e 1916. Esse período foi animado por projectos com os Delaunay, Eduardo Viana, José Pacheko e Almada Negreiros. Juntos delinearam uma plataforma internacional de artistas destinada à promoção de publicações e exposições itinerantes - a Corporation Nouvelle. Contudo, esses planos não se concretizaram para Amadeo e para os artistas portugueses envolvidos. Em finais de 1916, no rescaldo dos projectos falhados da Corporation Nouvelle, Amadeo organizou uma exposição individual itinerante, no Porto e em Lisboa. A sua apresentação em Portugal (a única na sua breve vida) foi muito polémica: deu azo a reacções negativas extremadas; a paródias, a vozes de apoio - na imprensa e no manifesto de Almada Negreiros fazendo a apologia de Amadeo. Pela correspondência do pintor e pela extensa cobertura mediática, percebemos que notícias da exposição circularam pelo país, chegando a Viseu e a Coimbra. Quase dois anos depois da exposição de 1916, Amadeo de Souza-Cardoso faleceu, a 25 de Outubro de 1918 em Espinho, vítima da gripe espanhola que grassou o mundo na altura. Amadeo tinha 30 anos e viu-se impedido de pintar nesse último ano devido a uma doença de pele. |
Amadeo de Souza-Cardoso, Paris, c. 1907
col. particular Amadeo de Souza-Cardoso no seu atelier na Cité Falguière. Paris, Montparnasse, c. 1908-1909
Coleção Espólio Amadeo de Souza-Cardoso © Biblioteca de Arte, Fundação Calouste Gulbenkian Sobreposição de fotografias de Amadeo e Lucie, Manhufe, c. 1915.
Coleção Espólio Amadeo de Souza-Cardoso © Biblioteca de Arte, Fundação Calouste Gulbenkian |
Bibliografia
Livros ilustrados/editados por Amadeo
FLAUBERT, Gustave (autor); SOUZA-CARDOSO, Amadeo de (cópia e ilustração), MOLDER, Maria Filomena (ensaio), La Légende de Saint Julien L’Hospitalier, Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian; Sistema Solar (Documenta), 2016. SOUZA-CARDOSO, Amadeo de, ALFARO, Catarina (texto), XX Dessins, 3ª edição, Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian; Sistema Solar (Documenta), 2016. NEGREIROS, José de Almada, SOUZA-CARDOSO, Amadeo de (co-edição), K4 O Quadrado Azul – edição facsmilada, Lisboa: Assírio & Alvim, 2000. SOUZA-CARDOSO, Amadeo de, 12 Reproductions, 3ª edição, Porto: Typ. Santos. Catálogos Raisonné Catálogo Raisonné: Amadeo de Souza-Cardoso: Pintura, 2ª edição, Lisboa: Sistema Solar (Documenta); Fundação Calouste Gulbenkian, 2016. Catálogo Raisonné: Amadeo de Souza-Cardoso: Fotobiografia, 2ª edição, Lisboa: Sistema Solar (Documenta); Fundação Calouste Gulbenkian, 2016. Catálogos de Exposições Amadeo de Souza-Cardoso / Porto Lisboa / 2016 - 1916, Porto: Museu Nacional de Soares dos Reis; Blue Book, 2016. Amadeo de Souza-Cardoso, Paris: Réunion des Musées Nationaux – Grand Palais, 2016. Amadeo de Souza-Cardoso: Diálogo de Vanguardas, Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2006. At the Edge: A Portuguese Futurist – Amadeo de Souza-Cardoso, Lisboa : Ministério da Cultura, Gabinete das Relações Internacionais; Washington: The Corcoran, 1999. Centenário do Nascimento de Amadeo de Souza-Cardoso (1887-1987), Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1987. Livros ALFARO, Catarina, Amadeo de Souza-Cardoso, Matosinhos: Quidnovi, 2010. GONÇALVES, Rui-Mário, Amadeo de Souza-Cardoso: a ânsia de originalidade, Lisboa: Caminho, 2006. FRANÇA, José-Augusto, “Amadeo de Souza-Cardoso, o Português à Força”, in Amadeo & Almada, Venda Nova: Bertrand, 1986. Teses/capítulos de teses COIMBRA, Prudência, “Amadeo de Souza-Cardoso”, in A Palavra na Pintura Portuguesa do Século XX (Da República ao Fim do Estado Novo). Tese de doutoramento em Belas-Artes – especialidade em Ciências e Teorias da Arte apresentada à Faculdade de Belas Artes da Universidade de Lisboa, 2012. DAMÁSIO, Luís Pimenta de Castro, A galeria de Amadeo. Vida pintada. Subsídios biográficos. Tese de doutoramento em História da Arte apresentada à Faculdade de Letras da Universidade do Porto, 2016. DIAS, Fernando Rosa, “Amadeo de Souza-Cardoso: as máscaras da vanguarda”, in Ecos Expressionistas da Pintura Portuguesa entre Guerras (1914-1940), Lisboa: Campo da Comunicação, 2011. SOARES, Marta, Amadeo e Orpheu: Para o Desenvolvimento das Relações entre Amadeo de Souza-Cardoso e a Revista Orpheu. Dissertação de Mestrado em História da Arte apresentada à Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, 2014. Artigos LEAL, Joana Cunha, "Uma Entrada para Entrada: Amadeo, a historiografia e os territórios da pintura", Intervalo, nº 4, 2010. LEAL, Joana Cunha, “Apropriação, Deslizamento, Deslocação. Sobre a Representação em Amadeo de Souza-Cardoso,” Revista de História da Arte – Práticas da Teoria, IHA – FCSH/UNL, nº 10, 2012. LEAL, Joana Cunha, “Trapped bugs, rotten fruits and faked collages: Amadeo de Souza-Cardoso’s Troublesome Modernism,” Konsthistorisk Tidskrift/Journal of Art History, vol. 82, no. 2, 2013. SOARES, Marta, "Parto da Viola para Orpheu: Amadeo de Souza-Cardoso, o sensacionismo e os hors-textes de Orpheu 3", Anuário de Literatura, vol. 20, n° 2, 2015. |
Lévriers (Os Galgos), 1911
óleo s. tela, 100 x 73 cm (obra não exposta em 1916) Museu Calouste Gulbenkian - Colecção Moderna © Paulo Costa, Museu Calouste Gulbenkian - Colecção Moderna (Paysagem Manhufe), c. 1912-1913
óleo s. madeira, 50,8 x 29,3 cm (obra que poderá ter sido exposta em 1916) Col. particular dep. Museu Municipal Amadeo de Souza-Cardoso/ Câmara Municipal de Amarante © Paulo Costa, Museu Calouste Gulbenkian– Colecção Moderna Par impar 1 2 1, c. 1916
óleo s. tela, 100 x 70 cm col. particular, Lisboa (obra exposta em 1916) © Paulo Costa, Museu Calouste Gulbenkian– Colecção Moderna |
Museus com obras de Amadeo de Souza-Cardoso
Museu Calouste Gulbenkian - Colecção Moderna
Lisboa, Portugal Museu Municipal Amadeo de Souza-Cardoso - Câmara Municipal de Amarante Amarante, Portugal Museu Nacional de Arte Contemporânea - Museu do Chiado Lisboa, Portugal Museu Nacional de Soares dos Reis Porto, Portugal Art Institute of Chicago Chicago, USA Museu Colecção Berardo Lisboa, Portugal Centre Pompidou, Musée Nationale d'Art Moderne Paris, França Museu do Caramulo Caramulo, Portugal |
Mucha, c. 1915-1916
óleo s. tela 27,3 x 21,4 cm (obra exposta em 1916) Museu Calouste Gulbenkian – Colecção Moderna © José Manuel Costa Alves, Museu Calouste Gulbenkian – Colecção Moderna |